quarta-feira, 3 de outubro de 2007

EMBRULHOS: o tétrico como veículo das realidades recriadas pelo pensamento

Embrulhos: o tétrico como veículo das realidades recriadas pelo pensamento Por Luiz Felipe Nunes
Do fiapo da calcinha de Mima à metamorfose kafkiana, Embrulhos, do autor Mozzambani, nos traz uma reverência à não-humanidade instaurada pela civilização ocidental.

Partindo do bucolismo de um bairro rural da cidade de Monte Alto – SP, memórias de um adolescente se mesclam com seus conceitos adquiridos no processo de maturidade. Entre o jovem dos tempos rurais e o adulto que guarda até hoje um recorte de jornal sobre Marcel Proust (1871 – 1922), o autor perfaz sua busca pelo tempo perdido, sua leitura do clássico, o conhecimento vivo levado ao prosaico.

Neste sentido, o leitor acompanha as mortes do protagonista, que o lança a novas vidas; a vivência rompe as barreiras da moral, do tempo e do espaço, questionando-os sempre de forma corrosiva, chocante.

A aparente depressão do ainda ser humano que conduz a narrativa se revela, no decorrer dos escritos, como desprezo pelas bases com que se conduzem as sociedades: o individualismo insurgente na aparente comunidade (que se desfaz quando o capital entra em cena, por exemplo, comprando com naturalidade o sexo) e a gana pelo dinheiro e a valorização do material acima da dignidade humana.

Chocar quem lê é ponto importante da obra Embrulhos — cujo título traz várias leituras, surgindo do embrulho físico (que, por sinal, recobre a carne), ponto de partida para a retomada de Proust, até o desembrulhar dos véus que cobrem o ritual social, um trabalho de auto-conhecimento que revela a interioridade do ser, seja o quão tétrico for.

Como o autor francês coloca, a busca é por uma ‘realidade escondida no inconsciente recriada pelo nosso pensamento’; este sim é o real, e não a mediocrização do consenso, a ditadura do pensar único que impera, promovida pelo poder da terra, da moeda, dos reis, das igrejas e da indústria cultural. Não se consegue, de início, na visão de quem lê (e, portanto, imerso neste círculo ditatorial), desentranhar uma imagem bela desta libertação do personagem; o que ele se torna choca, chega até a enojar muita gente.

Que desta sensação de incômodo surja uma nova visão. Que o feio passe a ser uma questão, verdadeiramente, de referencial. Que na crise emerja a oportunidade de sermos além.

Esta é a contribuição de Embrulhos. Vale lembrar que o personagem não passa por crise alguma — ela está em quem lê. Para o homem, o urubu, tudo é normal, é parte de um processo permeado de ideais antropofágicos (literais e metafísicos) da nossa literatura moderna.

Enxergar a beleza nos Embrulhos de Mozzambani é exercitar a reflexão produtiva, porque a evolução que o personagem acredita viver parte de um autor que se revela comum, limitado, sofredor. Humano, onde a onisciência e onipresença não significa o controle dos rumos da narrativa do romance.

Ao fim da obra, Mozzambani questiona a si mesmo e afasta do leitor a idéia mercadológica de troca: não promete nada e pede ainda que, se o comprador do livro esperava algo mais, que jogue fora o Embrulhos, e permaneça embrulhado em suas pequenezas.

“Ingratidão é egoísmo. Se alguém realiza algo esperando o retorno de alguém, só pensou em si, desde o início”. Esta máxima do Conde de Saint Germain vibra em direção a Embrulhos, que ao não oferecer nada oferece muito.



Luiz Felipe Nunes escreve poemas, contos e crônicas. É professor e jornalista.

Um comentário:

Línguas e artes disse...

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