quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Negro, o livro e a libertação

Ao Brasil, assim como a outros países, tem custado muito caro o histórico de discriminação de grupos sociais com base em fatores religiosos, étnicos, econômicos, culturais e outros, e no caso da discriminação das pessoas negras, fica evidente, mesmo numa análise superficial da sociedade atual, que a ferida da escravidão ainda não foi totalmente curada. Neste sentido a literatura, como arte das mais introspectivas, tem papel fundamental na construção de uma coletividade menos discriminatória, através da construção de individualidades mais conscientes de seu papel social e humano. A constatação de que as pessoas, às vezes, praticam o racismo sem perceber e, na maior parte das vezes, sem se reconhecerem racistas, devido a uma maquilagem cultural e social (tão típica da sociedade brasileira), leva-nos à necessidade de escancarar alguns sentimentos e hábitos que, mesmo praticados nos subterrâneos da sociedade, afetam, de forma nefasta, o cidadão negro. Os hábitos discriminatórios, de tão enraizados em nossa cultura, vão sendo banalizados a cada geração e cabe, à literatura, como arte introspectiva e formadora de consciência emancipatória, o papel de levar o leitor a um questionamento mais profundo sobre o seu próprio racismo. Vivemos num país onde as grandes massas, em especial as negras, são “aculturadas” pela indústria cultural, o que leva à perda da própria identidade cultural aqueles que, sem condições de acesso às manifestações culturais mais legítimas, são submetidos à verdadeira ditadura cultural das grandes organizações mundiais que produzem uma espécie de cultura globalizada, e globalizante, que afasta o indivíduo de sua própria história sujeitando-o a uma verdadeira lavagem cerebral. Este contexto explica por que a literatura, por ser essencialmente introspectiva e questionadora, não é privilegiada pela indústria cultural. Trata-se de uma arte que, invariavelmente, leva o seu “consumidor” a um grau cada vez maior de senso crítico, o que não é desejável pelos meios de produção cultural que cumprem um importante papel no esquema de controle das massas através do achatamento cultural. Teme-se, por certo, que, mesmo submetido a uma grande produção literária massificada, o leitor acabe se libertando das amarras do sistema pela própria necessidade de questionamento que a literatura gera. O sistema consegue, por exemplo, que uma pessoa ouça as paradas de sucesso musicais durante toda a vida sem que isso lhe desperte o mínimo de senso crítico, mas o mesmo não se dará em relação à literatura, pois mesmo um leitor das famigeradas listas dos mais vendidos acabará, com o tempo, caindo na tentação de trilhar seus próprios caminhos que poderão levá-lo ao perigoso exercício da verdadeira cidadania. Em relação à discriminação dos negros, o incentivo à leitura entre eles levaria o maior segmento social do país ao reconhecimento de sua própria identidade o que, por certo, mudaria os rumos da história do país, em favor da justiça e da humanidade. Seria impossível continuar mantendo, nas camadas mais baixas da sociedade, aqueles que construíram essa nação, se cada negro desse país resolvesse buscar nas suas raízes os meios para a sua verdadeira libertação. A literatura, por ser arte do contato com seu próprio eu (para além das amarras coletivas) por excelência, é de todas as artes a que mais cumpre o papel de libertar os espíritos; maquiavelicamente tem sido desprezada pela industria cultural que, ao fim das contas, não foi feita para quem queira pensar, muito menos para quem queira libertar-se (ou se dar conta do quanto está cercado pela não-arte). * Artigo publicado na sétima edição da Revista Culturando, um produto cultural da AGCIP - Associação Gestão Cultural no Interior Paulista Prof. Gilberto Morgado.

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